quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Falando de Duchamp

Obras de Marcel Duchamp estão em exposição no MAM, até setembro de 2008. 

Mostra "obrigatória", mas mais que "ver" Duchamp, é uma oportunidade de pensar - o que foi, o que representou, e as decorrências de seu pensamento. Alguns textos extraídos de publicações, para iniciar uma pontuação de Duchamp: "A partir do urinol, inaugura-se a discussão acerca da institucionalização da arte: o que pode ser exposto como obra? Sua incômoda vibração faz-se ouvir na repetida pergunta dos teóricos do pós-modernismo: é possível pintar após Duchamp, fazer arte ainda faz sentido? O ato de escolher objetos industrializados, extraídos do anonimato de seu uso cotidiano, inserindo-os no espaço que consagra o que é arte, teve uma presença embrionária na experiência cubista. Mas o objetivo ainda estava restrito ao âmbito interno da obra. Tratava-se, no cubismo, de romper com a perspectiva ilusionista da representação. Com a contribuição de Duchamp, a fruição retiniana transforma-se ora em operação mental, ora em exercício voyeurista. Não é impossível, contudo, esboçar uma análise formal do universo duchampiano. O urinol, a roda de bicileta, o jogo de xadrez, a transparência do vidro, a noiva e a máquina são emblemas já tão canonizados que proíbem qualquer manipulação ingênua. Mas cabe ponderar que nem todo objeto converte-se em readymade. A busca do neutro implica a rigorosa escolha de algo desinvestido de emoção. Ora, o fenômeno mais corrente atualmente é justamente o oposto: um excesso de páthos estetiza a maioria dos objetos expostos. Atribuir o estatuto da autoria é um traço duchampiano que se tornou refém de sua própria transgressão: estender a possibilidade da arte afrouxou os critérios de institucionalização. O fenômeno sofre de uma asfixia às avessas, espécie de agorafobia pela não discriminação da função estética: todo objeto, colocado no contexto da arte, ganha o reconhecimento da instituição pela preeminência da vontade de seu autor. Décadas após o advento do readymade, como fazer uma crítica à instituição se esta admite qualquer manifestação? "
texto Lisette Lagnado in "Por que Duchamp?" - Leituras duchampianas por artistas e críticos brasileiros - p.102 - São Paulo: Itaú Cultural: Paço das Artes, 1999.
(Nota: Páthos = palavra grega que significa paixão, excesso, catástrofe, passagem, passividade, sofrimento e assujeitamento)